sexta-feira, 22 de julho de 2011

Memórias dum Beduíno

"... da noite, qual mar revolto, soltam-se os véus sobre mim,
trazendo angústias que me põem à prova.
quando ela saltou como um corcel negro e tombou, exausta,
sobre o próprio peito, bradei:
oh, noite longa, teus olhos não se abrirão na aurora?
manhãs melhores não surgirão de ti?"
- Imru' Al-Qais


Afogo os meus olhos no orvalho das noites passadas,
paremos, amigos! Me lembro daquela donzela

que aqui eu amei, percorrendo umas dez luas juntos
até sua tribo deixar esse oásis aos ventos.

Os restos das tendas aos olhos ainda se mostram,
não mais que retalhos das feras que aqui se alimentam.

Seu cheiro de mirra ressoa nos ares da mente,
assim como escorrem da minha retina as lembranças.

Enquanto lamento meu fado, os camelos descansam,
meus bravos amigos dizendo: “não morras em lágrimas,

pois todas as tendas possuem donzelas e leitos.”
De fato, por várias chorei à memória do amor.

Pouco antes de Lídia, nos seios de Adara dormia,
E às curvas de Ghayda rendia-me, e a Rasha!...

Tal feito, por perto dum lago eu passava sozinho,
três jovens banhavam-se, os trajes jogados às pedras.

Como eu almejasse provar as virtudes das damas,
com posse dos trajes me expus em diversos sorrisos.

“confisco-os! Pois traços tão belos aos olhos ocultos
são como os cantares das aves no ouvido dos surdos,

ou como as fragrâncias dos leitos aos homens eunucos,
tal qual as memórias de outrora aos de mãos calejadas.”

e o susto da trova rompeu-se em olhares e risos,
então nós banhamos as águas co'as nossas essências...

… Ah, amigos! O Tempo recepta as carícias roubadas
igual às areias que encobrem relíquias antigas,

e o ouro ao oblívio do pó se mistura sem brilho
nos passos dos Dias e Noites, vedando-se aos olhos.

Houvera também uma moça por pais protegida,
aos dotes contida, velada das artes adultas,

que deu-se a driblar meus desejos por dias e noites,
fazendo das minhas faíscas um fogo insistente.

Nas horas furtivas, coberto com o manto das Plêiades,
em pés de ladino, adentrei a sua tenda em seu sono.

Dormia dispersa nos véus, as suas frutas desnudas
qual duas estrelas brilhando nos fuscos lençóis.

Seus olhos lembravam as pérolas negras dos mares,
os lábios carnudos quais gomos, saliva de vinho.

Beijei-lhe o pescoço, ela em sonhos tremia de anelos
e então desfrutei-me da polpa do fruto sagrado.

Mas hoje me cortam, qual gélida lâmina, as lágrimas,
perante o oceano da Noite, ao fumar da narguila.

Qual brumas do fumo, os amores se esvaem nos ares,
e ofuscam-se no éter da mente, mesclados à angústia.

Mas vamos, amigos, pois muito em pesares paramos!
Já escorre das turvas veredas o sangue da Aurora.

O Sol, qual guerreiro indomável, com sabre dourado
decepa os domínios da Lua, sultão das tristezas.

O harém das estrelas se banha nas águas do Dia
e o canto dos pássaros leva o escuro ao seu leito,

agora vislumbro as feições das montanhas distantes,
outrora nas trevas difusas, a Vida floresce!

Olhai ao redor! Tudo é vivo! Esqueçamos as ânsias,
afogo os meus olhos na vinda dos dias futuros!

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